Emergência no SUS
Emergências de saúde pública exigem ação rápida e coordenada para evitar graves consequências sociais e econômicas. Apesar da imprevisibilidade desses eventos, ilustrado pela variedade de emergências globais no século XXI, a preparação é crucial. O Regulamento Sanitário Internacional (RSI) enfatiza a importância de uma resposta proporcional aos riscos, como visto em situações que impactam consumidores de medicamentos e produtos de uso humano globalmente. Agências reguladoras, como a Anvisa no Brasil, desempenham um papel fundamental, agindo em situações emergenciais para garantir o acesso a produtos essenciais e regulamentar novas tecnologias, como exemplificado pela aprovação de mosquitos transgênicos em 2015(P. D. R. BRASIL, s.d.a).
Embora seja impossível prever com precisão quando e onde a próxima emergência ocorrerá, a análise de riscos, utilizando metodologias e instrumentos adequados, permite mapear vulnerabilidades e definir planos de ação para mitigar impactos. A prevenção, sempre o objetivo principal, e a preparação eficaz exigem conhecimento, treinamento e colaboração entre os envolvidos na resposta. Atuar de forma coordenada, realista e proporcional à escala do desafio é fundamental para evitar que a emergência evolua para uma crise e comprometa a governabilidade.
Segundo a Política Nacional de Vigilância em Saúde, considera-se Emergência em saúde pública a situação que demanda o emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública. O risco é a probabilidade de ocorrência de evento adverso ou inesperado, que cause doença, danos à saúde ou morte em um ou mais membros da população, em determinado lugar, num dado período de tempo (BRASIL, CNS 2018).
O Regulamento Sanitário Internacional (RSI), acordo firmado entre países membros da Assembleia Mundial da Saúde (AMS), visa conter a propagação internacional de doenças e outras emergências de saúde pública, protegendo a saúde global sem comprometer o comércio e o trânsito internacional.
O Brasil, pioneiro na incorporação do RSI ao seu ordenamento jurídico por meio do Decreto Legislativo nº 395/2009, reforçou seu compromisso com a segurança sanitária através do Decreto nº 7.616/2011(BRASIL 2011a). Este decreto estabelece os critérios para a declaração de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), acionando a Força Nacional do Sistema Único de Saúde (FN-SUS) em resposta a eventos que transcendem as fronteiras estaduais.
Ampliando o conceito do RSI, este trabalho define ESPIN como um evento extraordinário, de origem epidemiológica, sanitária, desassistencial ou relacionada a desastres, com potencial de propagação para além dos limites de um estado, exigindo uma resposta nacional coordenada. Em essência, o RSI e a definição de ESPIN demonstram o compromisso do Brasil em fortalecer seus mecanismos de vigilância e resposta a emergências de saúde pública, atuando em consonância com os esforços internacionais para proteger a saúde global.
Nas situações epidemiológicas incluem os surtos ou epidemias que apresentem risco de disseminação nacional, sejam produzidos por agentes infecciosos inesperados, representem a reintrodução de doença erradicada, apresentem gravidade elevada ou extrapolem a capacidade de resposta da direção estadual do Sistema Único de Saúde – SUS
Situações motivadoras para declaração de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional, segundo o Decreto de Emergência nº 7616/2011, adaptada por Wanderson Oliveira
No âmbito do SUS, apesar da heterogeneidade regional, no que tange a capacidade gerencial, economia e indicadores sociais de desenvolvimento, o desafio de organizar a cadeia de resposta às emergências é facilitado se forem compreendidas e respeitadas as diretrizes constitucionais, destacando o comando único em cada esfera de gestão com a organização dos processos de modo descentralizado, regionalizado, com acesso irrestrito e igualitário para todos. As atribuições de cada esfera de gestão – União, Estados, Distrito Federal e Municípios - estão descritas no conjunto de normas que permitiu um arranjo federativo em que apesar de serem entes politicamente autônomos e sem vinculação hierárquica cooperam entre si para cumprir as responsabilidades e isso permite um trabalho coordenado, fator fundamental na resposta às emergências (Oliveira 2017a).
História da preparação e resposta nacional
O Brasil, apesar de sua vasta experiência com emergências de saúde pública, só começou a estruturar mecanismos de financiamento para vigilância e controle de doenças em 1996, com a criação do Teto Financeiro de Epidemiologia e Controle de Doenças (TFECD). Entretanto, dificuldades de implementação e atrasos na descentralização da área resultaram na efetivação do TFECD apenas em dezembro de 1999. Historicamente, a vigilância em saúde ocupou um segundo plano nas prioridades políticas locais, que priorizaram a construção de hospitais, aquisição de ambulâncias e oferta de serviços, ações importantes, mas que acabaram por negligenciar o investimento em prevenção (Oliveira 2017a).
A regulamentação do SUS, em nível infraconstitucional, inicia-se com as Leis Orgânicas da Saúde e as Normas Operacionais. Em 2006, os Pactos de Gestão buscaram descentralizar a gestão e definir melhor as responsabilidades de cada esfera federativa. Contudo, foi com o Decreto nº 7508/2011, que regulamentou a Lei 8080/1990, que o governo buscou organizar as ações e responsabilidades em saúde. Essa organização foi complementada pela Lei Complementar nº 141/2012, que estabeleceu os valores mínimos para investimento em ações e serviços de saúde (BRASIL 2011b, 1990, 2012; Oliveira 2017b) .
A organização da resposta a emergências em saúde pública no Brasil teve início apenas no final da década de 1990, tendo como marco o surto de nefrite epidêmica em Minas Gerais (dezembro de 1997 a julho de 1998). A necessidade de apoio externo para lidar com a emergência levou o Brasil a solicitar auxílio ao Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), por meio do Centro Nacional de Epidemiologia da Fundação Nacional de Saúde (CENEPI/FUNASA). O objetivo era contar com a expertise de investigadores de campo do Serviço de Inteligência Epidemiológica (IES) para elucidar o surto (Oliveira 2017c).
Após a experiência com a nefrite epidêmica, o CENEPI/FUNASA estabeleceu uma cooperação com o CDC/EUA para capacitar profissionais brasileiros. Essa parceria resultou em dois programas de treinamento, iniciados em 2000:
EpiSUS: Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços do SUS
DDM: Programa de Treinamento de Dados para Tomada de Decisões (DDM)
No mesmo ano, a FUNASA criou o Núcleo de Respostas Rápidas em Emergências Epidemiológicas (NUREP), responsável por lidar com emergências em saúde pública. Os programas EPISUS e DDM, por sua vez, foram concebidos para auxiliar o NUREP em suas ações(Oliveira 2017d).
O NUREP estava vinculado à Presidência da Funasa e era composto por representantes dos diversos setores da instituição e tinha como competência o planejamento, mobilização de recursos e coordenação das ações para redução ou eliminação dos riscos à saúde pública, manter sistema de informações relativo aos recursos humanos e logísticos passíveis de mobilização, além da elaboração de manuais e procedimentos em situações de emergência(Oliveira 2017d).
Após a aprovação do Regulamento Sanitário Internacional (RSI 2005) pelo Brasil, em 2005, foi instituído o Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (CIEVS). O CIEVS tem como missão captar, de forma ágil, rumores e notificações de eventos de saúde pública, além de gerenciar e analisar dados e informações estratégicas relevantes para a vigilância em saúde, utilizando mecanismos de tecnologia da informação (P. D. R. BRASIL, s.d.b; BRASIL 2005; Oliveira 2017e)
Como signatário da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil comprometeu-se a estabelecer as “Capacidades Básicas de Vigilância e Resposta” descritas no Anexo I do RSI 2005. O documento determina que os Estados Partes utilizem suas estruturas e recursos nacionais para atender às exigências de capacidades básicas, incluindo atividades de vigilância, relatórios, notificação, verificação, resposta e colaboração, bem como ações relacionadas a portos, aeroportos e passagens de fronteira terrestre designados, com prazo final até junho de 2012(Oliveira 2017f).
Capacidade Básica necessária para vigilância e resposta
Os países utilizarão as estruturas e os recursos nacionais existentes para satisfazer às exigências de capacidades básicas, nos termos desse Regulamento, relativas a:
suas atividades de vigilância, informes, notificação, verificação, resposta e de colaboração que lhe competem; e
suas atividades referentes a portos, aeroportos e passagens de fronteira terrestre designados.
Em 2011, o processo de estruturação da resposta a Emergências em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) avançou com a publicação do Decreto nº 7616/2011, que instituiu a Declaração de ESPIN e a Força Nacional do SUS (FN-SUS). Esse marco estabeleceu as bases para a institucionalização da resposta em todas as esferas de gestão do SUS, com o Ministério da Saúde atuando de forma coordenada para superar diferenças político-administrativas, equacionando a estrutura federal para oferecer apoio aos estados afetados e facilitar o auxílio internacional. A complexidade do monitoramento das ações de vigilância intensifica-se durante emergências, pois o funcionamento adequado depende da disponibilidade de diversos recursos humanos, físicos, técnicos e tecnológicos, frequentemente distribuídos entre diferentes setores (BRASIL, s.d.; Oliveira 2017g)
Desvendando os Mistérios da Epidemiologia