DE VOLTA PARA O FUTURO II

Dengue 2000 a 2024

Dengue
Análise
Boletim
Author

Wanderson Oliveira

Published

May 9, 2024

Contexto

Era 1985, quando Marty McFly e seu amigo Doutor Emmett Brown, que viajam de 1985 a 2015 para evitar que o filho de Marty estrague o futuro da família McFly; seu arqui-inimigo Biff Tannen (Wilson) rouba a máquina do tempo DeLorean de Doc e usa-a para alterar a história em seu benefício, forçando a dupla a retornar a 1955 para restaurar a linha do tempo.

A epidemia de dengue no Brasil é um problema de saúde pública crônico e complexo, exigindo uma análise histórica profunda para entendermos sua evolução e traçarmos estratégias eficazes de controle. Em nossa jornada para desvendar as arboviroses, faremos uma viagem no tempo, retornando ao ano 2000, a fim de traçar a linha do tempo da dengue no Brasil e compreender como o Aedes aegypti tem impactado a saúde da população.

Os dados do Sistema de Informações de Agravo de Notificação (Sinan) do Sistema Único de Saúde (SUS) revelam a magnitude do problema: entre a primeira semana epidemiológica (SE) de 2000 e a SE19 de 2024, foram notificados 29.492.189 milhões de casos prováveis de dengue no Brasil. Essa cifra impressionante demonstra a necessidade urgente de ações coordenadas e eficazes para combater a doença e proteger a população brasileira.

Método de análise

Para esta análise, irei considerar o “ANO DENGUE”, como sendo o período da semana epidemiológica 40 de cada ano, geralmente ocorre na primeira semana de outubro, até a semana epidemiológica 39 do ano seguinte. Deste modo, podemos observar melhor quando começa a subir o número de casos, quando atinge o “pico” e quando começa a descer. Isso irá facilitar a descrição do período sazonal, aquele em que os casos começam a aumentar contínuamente até um valor máximo e cai até um valor mínimo.

Para encontrar o período em que a ocorrência de casos começa a dar sinais de aumento, vou considerar a média móvel ponderada dos últimos cinco períodos sazonais completos, SE40/2018-SE39/2019 até SE40/2022-SE39/2023, com a seguinte fórmula para cada coluna de semana epidemiológica (2018-2019x0,5)+(2019-2020x0,3)+(2020-2021x0,1)+(2021-2022x0,08)+(2022-2023x0,02).

Para estimar os casos esperados para a SE20 até SE39 da sazonalidade 2023-2024, utilizaremos a média histórica de casos por semana epidemiológica (SE) para cada SE do período. O intervalo AH25:BA25 corresponde à SE20 a SE39, portanto, vamos calcular a média para cada SE nesse intervalo, considerando os dados de 2000-2001 até 2022-2023.

# Carregar os dados da tabela
#tabela <- read.csv("base.csv", header = TRUE, sep = ",")

# Criar um vetor para armazenar as médias de cada SE
#medias_se <- rep(0, 20)

# Calcular a média para cada SE
#for (i in 20:39) {
#  medias_se[i-19] <- mean(tabela[,i], na.rm = TRUE)
#}

# Mostrar as médias estimadas
#print(medias_se)

# Criar um vetor com as estimativas para 2023-2024
#estimativas_2023_2024 <- medias_se

# Mostrar as estimativas para 2023-2024
#print(estimativas_2023_2024)

Observação: Caso queira replicar o cálculo no RStudio, a tabela com os dados está disponível no Portal do Epidemiologista

Resultados

A análise da série histórica de casos prováveis de dengue entre a SE40 do ano anterior e a SE19 do ano seguinte, revela um padrão interessante. A média histórica nesse período é de 75%, com mediana de 76%, variando de 62% no ano de 2004-2005 a 91% no ano de 2015-2016. É importante destacar que o período de 2015-2016, caracterizado pela maior incidência de casos antes de 2023-2024, coincidiu com a Pandemia de Zika Vírus, evidenciando a influência de fatores epidemiológicos complexos na dinâmica da dengue (Figura 1).

Com base nos cálculos da estimativa de casos para SE20-SE39, que totalizam 847.761 casos prováveis, e considerando esse valor como verdadeiro para fins de exercício epidemiológico, teríamos um total de 5.630.009 casos prováveis para o ano de 2024. Essa estimativa representaria 19% do total de casos da série histórica, um valor significativamente maior do que os 8% observados no ano de 2015-2016, período de maior incidência até então. É fundamental que essa projeção seja analisada com cautela, considerando a complexidade da dinâmica da dengue e a possibilidade de mudanças no cenário epidemiológico, como a influência de medidas de controle e o surgimento de novas variantes virais.

Figura 1. Total de casos por ano dengue e proporção em relação às semanas epidemiológicas SE40-SE19 e SE20-SE39. Brasil, atualização em 18 de maio de 2024.

Série histórica por semana epidemiológica

A representação gráfica em 3D da evolução dos casos de dengue por semana epidemiológica e sazonalidade oferece uma visão abrangente da dinâmica da doença ao longo dos anos. A série histórica, representada em vermelho, engloba o período da SE40/2023 até SE19/2024, incluindo as estimativas para as próximas semanas de 2024, da SE20 até SE39.

A figura A, em perspectiva frontal, permite a visualização do crescimento temporal da doença, com o eixo x representando o tempo da esquerda para a direita e o eixo y, de baixo para cima, exibindo as sazonalidades, desde 2000-2001 até 2023-2024. A figura B, por sua vez, destaca a magnitude da epidemia de dengue no ano de 2023/2024, evidenciando o aumento exponencial dos casos e a gravidade do problema. A visualização gráfica confirma o que os dados numéricos já indicavam: a epidemia de dengue no ano de 2023/2024 é a mais grave e preocupante da história da saúde pública brasileira.

As demais figuras em perspectiva evidenciam essa situação inédita, sem precedentes, que exige ações urgentes e eficazes por parte das autoridades de saúde. É inaceitável que a população brasileira continue a ser acometida por essa doença, que tem causado grande sofrimento e sobrecarga ao sistema de saúde. A necessidade de investimentos em pesquisa, controle vetorial, vigilância epidemiológica e ações de comunicação eficazes é urgente, a fim de evitarmos que essa epidemia continue a se agravar nos próximos anos.

Figura 2. Distribuição dos casos prováveis de dengue por sazonalidade e semana epidemiológica de notificação entre 2000 e 2024, com estimativas de casos para o período da SE20 a SE39 de 2024. Brasil, atualização em 18 de maio de 2024.
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Elaboração: Wanderson Oliveira - www.wandersonepidemiologista.com
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Elaboração: Wanderson Oliveira - www.wandersonepidemiologista.com
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Elaboração: Wanderson Oliveira - www.wandersonepidemiologista.com
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Elaboração: Wanderson Oliveira - www.wandersonepidemiologista.com
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Elaboração: Wanderson Oliveira - www.wandersonepidemiologista.com
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Elaboração: Wanderson Oliveira - www.wandersonepidemiologista.com
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Elaboração: Wanderson Oliveira - www.wandersonepidemiologista.com
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Elaboração: Wanderson Oliveira - www.wandersonepidemiologista.com

Variação semanal

A análise da média ponderada histórica dos últimos cinco períodos sazonais da dengue (SE40/2018 a SE39/2023) revelou um padrão interessante. A partir da proximidade com a primavera, em 23 de setembro, que ocorre entre a SE38 e SE39 de cada ano epidemiológico, nota-se um crescimento positivo no número de casos. Esse aumento, embora atípico, deve ser considerado como um sinal de alerta para os gestores de saúde em todos os níveis, desde os municípios até o Ministério da Saúde. É crucial que ações preventivas sejam iniciadas de forma sincronizada em todo o país para evitar a proliferação da doença, principalmente durante a época de maior risco (Figura 2).

Figura 2. Variação semanal de casos de dengue com base na média ponderada da SE40/2018 até SE39/2023. Brasil, atualização em 18 de maio de 2024.

Elaborado: Wanderson Oliveira - Epidemiologista | Fonte: Sinan

É importante destacar que, apesar da tendência geral, cada região pode apresentar particularidades. As regiões Norte e Nordeste, por exemplo, podem ter um perfil epidemiológico distinto. No entanto, a necessidade de uma ação nacional unificada, com início simultâneo em todos os estados e municípios, é fundamental para garantir o controle da dengue. Esse “reinício” do ano epidemiológico a partir da SE40, como um “boot” de um jogo, permitirá que o sistema de saúde esteja preparado para enfrentar os desafios da próxima temporada de dengue.

Interpretando os dados

A análise dos dados da série histórica de dengue demonstra a importância de ações estratégicas e proativas por parte dos gestores de saúde para o controle da doença. A partir do início do "ANO DENGUE", na primeira quinzena de novembro, o Centro de Operações de Emergências (COE) deve ser ativado no nível 1, mesmo em anos sem grande epidemia. Essa medida se justifica pela necessidade de intensificar as ações de eliminação de focos do mosquito Aedes aegypti, realizar mutirões de limpeza, promover a educação em saúde e intensificar a vacinação.

É crucial lembrar que o período de férias escolares, que coincide com o final da primavera, aumenta a circulação dos vírus da dengue (DENV1, DENV2, DENV3 e DENV4), devido à intensificação das viagens e à maior probabilidade de contato com indivíduos infectados, tanto sintomáticos quanto assintomáticos. O mosquito infectado também pode se deslocar para outras regiões, viajando dentro de carros, ônibus e aviões.

A sazonalidade da dengue é bem definida: a primavera corresponde a cerca de 1% dos casos, o verão a 36%, o outono a 56% e o inverno a 7%. Com base nessas informações, as ações de saúde devem ser planejadas de forma estratégica, levando em consideração a época do ano e a fase epidemiológica da dengue.

As ações de saúde devem ser organizadas em quatro etapas: Preparação, Prevenção, Controle e Mitigação.

A fase de Preparação, entre junho e setembro, deve incluir a avaliação das lições aprendidas em anos anteriores, a revisão dos planos de contingência, a atualização da legislação e a previsão de insumos relevantes.

A fase de Prevenção, entre outubro e novembro, exige a implementação das medidas de prevenção e controle, o início de campanhas educativas, a ativação do COE e a intensificação das ações de vacinação.

A fase de Controle, entre dezembro e janeiro, demanda a investigação dos primeiros casos para ajustar as medidas de prevenção e controle e o fortalecimento das ações educativas.

Por fim, a fase de Mitigação, entre fevereiro e maio, deve envolver a criação de comissões específicas para investigar e concluir os óbitos e a elaboração de relatórios mais detalhados para analisar a situação epidemiológica e orientar as ações futuras.