Dengue mata: quem?

ARBOLETIM - ARBOVIROSES EM EVIDÊNCIA

Dengue
Arboviroses
Análise
Boletim
Author

Wanderson Oliveira

Published

April 18, 2024

INTRODUÇÃO

A dengue, apesar de ter chegado às Américas em 1635, mudou drasticamente seu comportamento ao longo dos séculos. Inicialmente, as epidemias eram passageiras e com poucos casos graves, devido à presença de um único sorotipo do vírus e à imunidade adquirida após a infecção. Entretanto, a partir de 1970, o crescimento populacional acelerado e a urbanização descontrolada nos trópicos criaram condições ideais para a proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença (MARTINS et al. 2016).

O Brasil, infelizmente, se tornou um cenário preocupante para a dengue. Desde a década de 1980, o país concentra cerca de 70% dos casos nas Américas. O padrão da doença evoluiu de epidêmico e localizado para epidêmico e endêmico a partir de 1994, representando um desafio constante para a saúde pública (MARTINS et al. 2016).

Atualmente, vivemos um aumento alarmante de casos de dengue no Brasil. Em 2024, um número recorde de 3.310.484 casos foi registrado até 17/04/2024. Jovens entre 20 e 29 anos são os mais afetados, enquanto idosos acima de 80 anos apresentam maior risco de desenvolver casos graves. A gravidade da situação levou diversos estados e municípios a declararem estado de emergência (BRASIL 2024).

OBJETIVOS

Geral

Avaliar a relação entre desenvolver quadro clínico de dengue grave ou com sinais de alarme e evoluir para óbito relacionado à dengue.

Específicos

  • Analisar as tendências de aumento ou redução de casos de dengue ao longo do tempo, tanto no âmbito nacional como em estados e municípios selecionados, identificando possíveis variações regionais.

  • Comparar as tendências temporais da dengue entre diferentes estados e municípios, avaliando a heterogeneidade da epidemia no território brasileiro e identificando áreas de maior risco.

MÉTODO

É importante ressaltar que este estudo utiliza técnicas de análise do método de corte transversal. Isso significa que os dados foram coletados em um único momento no tempo, fornecendo um retrato da situação em um período específico. Embora esse método seja útil para identificar associações entre variáveis, ele não permite estabelecer relações de causa e efeito.

Fonte de informação

  • Sistema: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)

  • Endereço: ftp://ftp.datasus.gov.br/dissemin/publicos/

  • Arquivos: DENGBR23.DBC, DENGBR24.DBC

Programas utilizados nas análises

  • RStudio - Versão: 2023.12.1+402 “Ocean Storm” Release (4da58325ffcff29d157d9264087d4b1ab27f7204, 2024-01-28) for windows

  • TabWin - Versão: 4.1.5 - 32 bits - 03/08/2018

  • Microsoft® Excel® para Microsoft 365 MSO (Versão 2402 Build 16.0.17328.20124) 64 bits

RESULTADOS

Figura 1. Relação entre classificação final por dengue e evolução para óbito relacionado à dengue, no período da sazonalidade 2023/2024 (SE-40/2023-SE15/2024)
Classificação final dos casos de dengue N Evolução dos casos de dengue
Total1 1.Óbito relacionado à dengue, N = 2,8802 2.Cura, N = 1,565,9482
Dengue 1,568,828


    1.Dengue: grave ou com sinais de alarme
2.1% (n=32,719) 1,856 (64.44%) 30,863 (1.97%)
    2.Dengue: sem complicações
97.9% (n=1,536,109) 1,024 (35.56%) 1,535,085 (98.03%)
1 % (n=n)
2 n (%)
Figura 2. Características dos casos classificados como dengue grave ou com sinais de alarme em relação à evolução para óbito, no período da sazonalidade 2023/2024 (SE-40/2023-SE15/2024)
Variáveis N Evolução para óbito relacionado à dengue
Total1 1.SIM, N = 1,8562 2.NÃO, N = 30,8632
Sexo 32,718


    1.Feminino
55.5% (n=18,156) 938 (50.54%) 17,218 (55.79%)
    9.Ignorado
0.1% (n=32) 0 (0.00%) 32 (0.10%)
    2.Masculino
44.4% (n=14,530) 918 (49.46%) 13,612 (44.11%)
    sem informações
1 0 1
Gestação 32,711


    1.1ºTrimestre
0.4% (n=117) 1 (0.05%) 116 (0.38%)
    2.2ºTrimestre
0.4% (n=133) 2 (0.11%) 131 (0.42%)
    3.3ºTrimestre
0.4% (n=124) 8 (0.43%) 116 (0.38%)
    4.Idade gestacional ignorada
0.1% (n=30) 0 (0.00%) 30 (0.10%)
    5.Não
36.9% (n=12,063) 642 (34.63%) 11,421 (37.01%)
    6.Não se aplica
55.6% (n=18,183) 1,119 (60.36%) 17,064 (55.30%)
    9.Ignorado
6.3% (n=2,061) 82 (4.42%) 1,979 (6.41%)
    sem informações
8 2 6
Escolaridade 27,402


    1.Analfabeto
0.8% (n=213) 43 (2.78%) 170 (0.66%)
    2.Fundamental
17.7% (n=4,860) 358 (23.16%) 4,502 (17.41%)
    3.Médio
22.0% (n=6,031) 282 (18.24%) 5,749 (22.23%)
    4.Superior
6.7% (n=1,843) 85 (5.50%) 1,758 (6.80%)
    8.Não se aplica
8.8% (n=2,425) 51 (3.30%) 2,374 (9.18%)
    9.Ignorado
43.9% (n=12,030) 727 (47.02%) 11,303 (43.72%)
    sem informações
5,317 310 5,007
Faixa etária 32,719


    0-4 anos
4.2% (n=1,372) 44 (2.37%) 1,328 (4.30%)
    5-9 anos
5.9% (n=1,945) 23 (1.24%) 1,922 (6.23%)
    10 a 14 anos
7.2% (n=2,355) 25 (1.35%) 2,330 (7.55%)
    15-19 anos
6.7% (n=2,176) 43 (2.32%) 2,133 (6.91%)
    20-29 anos
14.1% (n=4,615) 116 (6.25%) 4,499 (14.58%)
    30-39 anos
13.1% (n=4,292) 131 (7.06%) 4,161 (13.48%)
    40-49 anos
13.3% (n=4,337) 187 (10.08%) 4,150 (13.45%)
    50-59 anos
11.4% (n=3,714) 216 (11.64%) 3,498 (11.33%)
    60-69 anos
10.4% (n=3,397) 286 (15.41%) 3,111 (10.08%)
    70-79 anos
8.1% (n=2,653) 356 (19.18%) 2,297 (7.44%)
    80+ anos
5.7% (n=1,863) 429 (23.11%) 1,434 (4.65%)
1 % (n=n)
2 n (%)

Análise da Relação entre Gravidade da Dengue e Óbito

# Criar a tabela de contingência
Corte_transversal <- table(dengue$DCOMPLICADA, dengue$OBITO)

# Calcular o risco relativo usando a função epi.2by2 do pacote epiR
razao_prevalencia <- epi.2by2(dat = Corte_transversal, method = "cross.sectional", 
                          digits = 2, conf.level = 0.95, units = 100, interpret = FALSE)
razao_prevalencia
             Outcome +    Outcome -      Total               Prev risk *
Exposed +         1856        30863      32719       5.67 (5.42 to 5.93)
Exposed -         1024      1535085    1536109       0.07 (0.06 to 0.07)
Total             2880      1565948    1568828       0.18 (0.18 to 0.19)

Point estimates and 95% CIs:
-------------------------------------------------------------------
Prev risk ratio                                85.09 (78.91, 91.77)
Prev odds ratio                                90.15 (83.46, 97.38)
Attrib prev in the exposed *                   5.61 (5.36, 5.86)
Attrib fraction in the exposed (%)            98.82 (98.73, 98.91)
Attrib prev in the population *                0.12 (0.11, 0.12)
Attrib fraction in the population (%)         63.69 (61.86, 65.43)
-------------------------------------------------------------------
Uncorrected chi2 test that OR = 1: chi2(1) = 54943.413 Pr>chi2 = <0.001
Fisher exact test that OR = 1: Pr>chi2 = <0.001
 Wald confidence limits
 CI: confidence interval
 * Outcomes per 100 population units 

O resultado apresentado explora a relação entre a gravidade da dengue e o risco de óbito, utilizando um estudo de corte transversal. Vamos analisar os dados, interpretando os termos e compreendendo as conclusões:

Tradução dos Termos:

  • Outcome + / Outcome - : Óbito relacionado à dengue / Cura

  • Exposed + / Exposed - : Dengue: grave ou com sinais de alarme / Dengue: sem complicações

Interpretação dos Resultados:

  1. Óbito em pacientes com dengue grave ou com sinais de alarme: O frequência de óbito é significativamente maior em pacientes com “Dengue: grave ou com sinais de alarme” (5,67%) em comparação com aqueles com “Dengue: sem complicações” (0,07%). Isso indica que a gravidade da doença está fortemente associada a um maior risco de morte.

  2. Razão de prevalência: A RP de óbito para pacientes com dengue grave em comparação com aqueles sem complicações é de 85,09. Isso significa que a frequência de óbitos entre os indivíduos com dengue grave é 85 vezes maior em comparação com aqueles com dengue sem complicações.

  3. Fração Atribuível: A fração atribuível na população exposta (98,82%) indica que quase todos os óbitos em pacientes com dengue grave podem ser atribuídos à própria gravidade da doença. Ou seja, se a dengue grave fosse eliminada, quase todos os óbitos relacionados à dengue seriam evitados nesse grupo.

  4. Fração Atribuível na População: A fração atribuível na população (63,69%) sugere que a dengue grave é responsável por uma parcela significativa dos óbitos relacionados à dengue em toda a população estudada.

Conclusão:

Os resultados demonstram uma forte associação entre a gravidade da dengue e o risco de óbito. Pacientes com “Dengue: grave ou com sinais de alarme” têm um risco significativamente maior de morte em comparação com aqueles com “Dengue: sem complicações”. A identificação e o manejo precoce dos casos graves de dengue são cruciais para reduzir a mortalidade associada à doença.

Observação para Estudantes:

Este estudo destaca a importância de compreender as medidas de associação e efeito em epidemiologia. O risco relativo e a fração atribuível são ferramentas valiosas para quantificar a magnitude do impacto de uma exposição (neste caso, a gravidade da dengue) sobre um desfecho (óbito).

References

BRASIL, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. 2024. “Painel de Monitoramento das Arboviroses.” https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/a/aedes-aegypti/monitoramento-das-arboviroses/painel.
MARTINS, Milton de Arruda, Flair José CARRILHO, Venâncio Avancini Ferreira ALVES, Euclides Ayres de CASTILHO, and others. 2016. Clínica Médica: Alergia e Imunologia Clínica, Doenças Da Pele, Doenças Infecciosas (Versão Digital). 2ª edição. Vol. Volume 7. Barueri, SP: Manole.