Contextualização
Em 10 de novembro de 2023, especialistas já indicavam que a sazonalidade de dengue de 2023/2024 seria desafiadora (Folha 2023).
Nas últimas décadas, a dengue emergiu como uma ameaça significativa para a saúde pública nas Américas, afetando cerca de meio bilhão de pessoas com risco de infecção. A escalada dos casos é alarmante, com um salto de 1,5 milhão na década de 1980 para mais de 16 milhões entre 2010 e 2019. O ano de 2023 registrou um pico histórico de 4,5 milhões de casos, incluindo 7.653 graves e 2.340 mortes. A tendência preocupante continuou em 2024, com um aumento de 157% nos casos em comparação com o mesmo período do ano anterior, destacando a persistência e a gravidade do problema. (PAHO 2024).
Globalmente, a incidência da dengue também disparou, colocando em risco aproximadamente metade da população mundial. A doença predomina em climas tropicais e subtropicais, especialmente em centros urbanos e semiurbanos, e é uma das causas líderes de morbidade e mortalidade infantil em partes da Ásia e América Latina. Embora não haja tratamento específico para a dengue, a detecção precoce e o tratamento médico adequado podem reduzir significativamente a mortalidade. A prevenção eficaz depende do controle rigoroso dos mosquitos vetores, uma medida vital para conter a propagação da doença (PAHO 2024).
Ele defende um plano de contingência voltado aos estados e municípios para 2024, no sentido de treinar profissionais de saúde para o atendimento a casos graves de dengue, ofertar locais para hidratação, atendimento e de organizar os fluxos de internação no período epidêmico. Segundo o infectologista, a medida é necessária principalmente no Sul do país, onde os serviços de saúde não estão acostumados com este tipo de paciente.
Dr. Júlio Croda, Infectologista (Folha 2023)
A carga de dengue no mundo aumentou com a urbanização, aquecimento climático e mobilidade urbana nas últimas três décadas (Yang et al. 2021).
Figura 1. Letalidade1 comparada entre a sazonalidade de 2022/2023 e 2023/20242
MÉTODO
Fonte de informação
Banco de dados de notificação de casos suspeitos de dengue, do Sinan (Sistema de Informações de Agravos de Notificação), disponibilizado pelo Departamento de Informática do SUS (DataSUS) em 21 de março de 2023, por meio do endereço ftp://ftp.datasus.gov.br/dissemin/publicos/ denominado DENGBR24.DBC.
Programas utilizados nas análises
RStudio - Versão: 2023.12.1+402 “Ocean Storm” Release (4da58325ffcff29d157d9264087d4b1ab27f7204, 2024-01-28) for windows
TabWin - Versão: 4.1.5 - 32 bits - 03/08/2018
Microsoft® Excel® para Microsoft 365 MSO (Versão 2402 Build 16.0.17328.20124) 64 bits
RESUTADOS
Situação epidemiológica
No período de janeiro até 16 de março de 2024 foram registrados 1.843.201 casos prováveis de dengue no Brasil. Segundo dados da evolução dos casos notificados, eram óbitos confirmados de dengue 566 (0,031%) dos casos e estão em investigação outros 999 (0,054%).
Completitude3
Na análise de completitude do campo evolução, observa-se que 59,15% (1.090.313/1.843.201) dos registros não possuem informações sobre a evolução do caso.
Em 46,62% (859.449/1.843.201) dos registros não há informação nos campos EVOLUÇÃO
e CLASSIFICAÇÃO FINAL
. Há outros 12,53% (230.864) dos registros foram classificados como dengue (185.158), dengue com sinais de alarme (7.197) e dengue grave (38.509) não possuem informação da evolução.
Quantos destes evoluíram para óbito e que não estão sendo contabilizados?
Figura 2. Distribuição da totalidade da base de dados de dengue de 2024, até a semana epidemiológica 11 (encerrada em 16/03/2024).
Análise dos óbitos classificados como dengue, segundo a evolução
Nesta análise foram selecionados todos os óbitos classificados como ÓBITO POR DENGUE ou ÓBITO EM INVESTIGAÇÃO, com a CLASSIFICAÇÃO FINAL de dengue.
Tabela 1. Tabela dos casos que evoluiram para óbito com classificação final de dengue. Até 16 de março de 2024.
# A tibble: 1,243 × 134
TP_NOT ID_AGRAVO DT_NOTIFIC SEM_NOT NU_ANO SG_UF_NOT ID_MUNICIP ID_REGIONA
<chr> <chr> <chr> <chr> <chr> <chr> <chr> <chr>
1 Individu… A90 2024-01-29 202405 2024 Amazonas 130260 5584
2 Individu… A90 2024-01-04 202401 2024 Amazonas 130240 5585
3 Individu… A90 2024-01-16 202403 2024 Amazonas 130260 5584
4 Individu… A90 2024-02-25 202409 2024 Amazonas 130380 5584
5 Individu… A90 2024-02-29 202409 2024 Amazonas 130130 5588
6 Individu… A90 2024-01-10 202402 2024 Amapá 160050 <NA>
7 Individu… A90 2024-02-18 202408 2024 Amapá 160050 <NA>
8 Individu… A90 2024-03-01 202409 2024 Bahia 291470 1381
9 Individu… A90 2024-01-16 202403 2024 Bahia 291460 1394
10 Individu… A90 2024-02-23 202408 2024 Bahia 291080 1381
# ℹ 1,233 more rows
# ℹ 126 more variables: ID_UNIDADE <chr>, DT_SIN_PRI <chr>, SEM_PRI <chr>,
# ANO_NASC <chr>, NU_IDADE_N <int>, CS_SEXO <chr>, CS_GESTANT <chr>,
# CS_RACA <chr>, CS_ESCOL_N <chr>, SG_UF <chr>, ID_MN_RESI <chr>,
# ID_RG_RESI <chr>, ID_PAIS <chr>, DT_INVEST <chr>, ID_OCUPA_N <chr>,
# FEBRE <chr>, MIALGIA <chr>, CEFALEIA <chr>, EXANTEMA <chr>, VOMITO <chr>,
# NAUSEA <chr>, DOR_COSTAS <chr>, CONJUNTVIT <chr>, ARTRITE <chr>, …
Lista 1. Relação dos campos presentes na tabela
[1] "TP_NOT" "ID_AGRAVO" "DT_NOTIFIC" "SEM_NOT" "NU_ANO"
[6] "SG_UF_NOT" "ID_MUNICIP" "ID_REGIONA" "ID_UNIDADE" "DT_SIN_PRI"
[11] "SEM_PRI" "ANO_NASC" "NU_IDADE_N" "CS_SEXO" "CS_GESTANT"
[16] "CS_RACA" "CS_ESCOL_N" "SG_UF" "ID_MN_RESI" "ID_RG_RESI"
[21] "ID_PAIS" "DT_INVEST" "ID_OCUPA_N" "FEBRE" "MIALGIA"
[26] "CEFALEIA" "EXANTEMA" "VOMITO" "NAUSEA" "DOR_COSTAS"
[31] "CONJUNTVIT" "ARTRITE" "ARTRALGIA" "PETEQUIA_N" "LEUCOPENIA"
[36] "LACO" "DOR_RETRO" "DIABETES" "HEMATOLOG" "HEPATOPAT"
[41] "RENAL" "HIPERTENSA" "ACIDO_PEPT" "AUTO_IMUNE" "DT_CHIK_S1"
[46] "DT_CHIK_S2" "DT_PRNT" "RES_CHIKS1" "RES_CHIKS2" "RESUL_PRNT"
[51] "DT_SORO" "RESUL_SORO" "DT_NS1" "RESUL_NS1" "DT_VIRAL"
[56] "RESUL_VI_N" "DT_PCR" "RESUL_PCR_" "SOROTIPO" "HISTOPA_N"
[61] "IMUNOH_N" "HOSPITALIZ" "DT_INTERNA" "UF" "MUNICIPIO"
[66] "TPAUTOCTO" "COUFINF" "COPAISINF" "COMUNINF" "CLASSI_FIN"
[71] "CRITERIO" "DOENCA_TRA" "CLINC_CHIK" "EVOLUCAO" "DT_OBITO"
[76] "DT_ENCERRA" "ALRM_HIPOT" "ALRM_PLAQ" "ALRM_VOM" "ALRM_SANG"
[81] "ALRM_HEMAT" "ALRM_ABDOM" "ALRM_LETAR" "ALRM_HEPAT" "ALRM_LIQ"
[86] "DT_ALRM" "GRAV_PULSO" "GRAV_CONV" "GRAV_ENCH" "GRAV_INSUF"
[91] "GRAV_TAQUI" "GRAV_EXTRE" "GRAV_HIPOT" "GRAV_HEMAT" "GRAV_MELEN"
[96] "GRAV_METRO" "GRAV_SANG" "GRAV_AST" "GRAV_MIOC" "GRAV_CONSC"
[101] "GRAV_ORGAO" "DT_GRAV" "MANI_HEMOR" "EPISTAXE" "GENGIVO"
[106] "METRO" "PETEQUIAS" "HEMATURA" "SANGRAM" "LACO_N"
[111] "PLASMATICO" "EVIDENCIA" "PLAQ_MENOR" "CON_FHD" "COMPLICA"
[116] "TP_SISTEMA" "NDUPLIC_N" "DT_DIGITA" "CS_FLXRET" "FLXRECEBI"
[121] "MIGRADO_W" "IDADEminutos" "IDADEhoras" "IDADEdias" "IDADEmeses"
[126] "IDADEanos" "munResStatus" "munResTipo" "munResNome" "munResUf"
[131] "munResLat" "munResLon" "munResAlt" "munResArea"
Todos os casos com a classificação final SEM INFORMAÇÃO foram descartados, resultando em um total de 1.256 casos que serão considerados prováveis para esta análise. Sendo registrados 565 classificados como óbito por dengue e 691 permanecem classificados como óbito em investigação, apesar de estar classificado como dengue. Destes, 45,44% (314) são dengue, 19,97% (138) dengue com sinais de alarme e 34,59% (239) por dengue grave (Figura 3).
Figura 3. ÓBITOS PROVÁVEIS: distribuição da totalidade de óbitos classificados como dengue em 2024, até a semana epidemiológica 11 (encerrada em 16/03/2024).
VARIÁVEIS | N | EVOLUÇÃO DOS CASOS NOTIFICADOS ATÉ SE11/2024 | ||
---|---|---|---|---|
TOTAL1 | Óbito em investigação, N = 6782 | Óbito por dengue, N = 5652 | ||
CLASSIFICAÇÃO FINAL | 1,243 | |||
Dengue | 37.1% (n=461) | 314 (46.31%) | 147 (26.02%) | |
Dengue com sinais de alarme | 18.3% (n=227) | 138 (20.35%) | 89 (15.75%) | |
Dengue grave | 44.7% (n=555) | 226 (33.33%) | 329 (58.23%) | |
1 % (n=n) | ||||
2 n (%) |
Fonte: Sinan Dengue - atualização 16/03/2024
Análise do perfil sócio-demográfico dos óbitos prováveis
Observa-se que 51,5% (647) dos óbitos prováveis são do sexo feminino, sendo 0,8% (5) gestantes . Em relação à raça/cor, são negros 47,1% (592) dos casos e
Figura 4. Perfil sócio-demográfico dos óbitos prováveis, até a semana epidemiológica 11 (encerrada em 16/03/2024).
VARIÁVEIS | N | EVOLUÇÃO DOS CASOS NOTIFICADOS ATÉ SE11/2024 | ||
---|---|---|---|---|
TOTAL1 | Óbito em investigação, N = 6782 | Óbito por dengue, N = 5652 | ||
Sexo | 1,243 | |||
Feminino | 51.6% (n=641) | 332 (48.97%) | 309 (54.69%) | |
Ignorado | 0.1% (n=1) | 1 (0.15%) | 0 (0.00%) | |
Masculino | 48.4% (n=601) | 345 (50.88%) | 256 (45.31%) | |
Raça/Cor | 1,243 | |||
Amarela | 0.7% (n=9) | 2 (0.29%) | 7 (1.24%) | |
Branca | 40.8% (n=507) | 285 (42.04%) | 222 (39.29%) | |
Ignorado | 10.7% (n=133) | 68 (10.03%) | 65 (11.50%) | |
Indígena | 0.5% (n=6) | 4 (0.59%) | 2 (0.35%) | |
Parda | 41.5% (n=516) | 280 (41.30%) | 236 (41.77%) | |
Preta | 5.8% (n=72) | 39 (5.75%) | 33 (5.84%) | |
Se é gestante | 1,243 | |||
1o trimestre | 0.2% (n=2) | 0 (0.00%) | 2 (0.35%) | |
Idade gestacional ignorada | 0.2% (n=2) | 1 (0.15%) | 1 (0.18%) | |
Ignorado | 5.6% (n=69) | 34 (5.01%) | 35 (6.19%) | |
Não | 35.7% (n=444) | 243 (35.84%) | 201 (35.58%) | |
Não se aplica | 58.4% (n=726) | 400 (59.00%) | 326 (57.70%) | |
1 % (n=n) | ||||
2 n (%) |
Observa-se diferença estatisticamente significativa entre as idades dos óbito confirmados por dengue em relação às idades dos óbitos ainda em investigação para classificação, evidenciando que estas apresentam média menore.
Figura 5. Boxplot da idade entre óbitos por dengue e óbitos em investigação, até a semana epidemiológica 11 (encerrada em 16/03/2024).
------------------------------------------------------------------------------
Boxplot da idade dos óbitos segundo a evolução
Summary:
n pairs: 1'243, valid: 1'243 (100.0%), missings: 0 (0.0%), groups: 2
Óbito em investigação Óbito por dengue
mean 62.000 58.395
median 66.000 64.000
sd 22.799 23.612
IQR 31.750 35.000
n 678 565
np 54.545% 45.455%
NAs 0 0
0s 6 11
Kruskal-Wallis rank sum test:
Kruskal-Wallis chi-squared = 7.3776, df = 1, p-value = 0.006604
Proportions of df3$EVOLUCAO in the quantiles of df3$NU_IDADE_N:
Q1 Q2 Q3 Q4
Óbito em investigação 47.5% 58.1% 53.0% 59.5%
Óbito por dengue 52.5% 41.9% 47.0% 40.5%
demo(describe, package = “DescTools”)
Figura 6. Test t da idade entre óbitos por dengue e óbitos em investigação, até a semana epidemiológica 11 (encerrada em 16/03/2024).
Welch Two Sample t-test
data: idade_obito_dengue and idade_obito_investigacao
t = -2.7227, df = 1185, p-value = 0.00657
alternative hypothesis: true difference in means is not equal to 0
95 percent confidence interval:
-6.203287 -1.007332
sample estimates:
mean of x mean of y
58.39469 62.00000
Os Estados com o maior número de óbitos prováveis são MG com 29,5%, seguido de SP com 15,1%, DF com 13,8%, GO com 10,9% e PR com 10,1%. A partir deste ponto, os três estados com as maiores proporções são: RJ 7,6%, seguido de RS com 2,7% e SC com 2,7% (Figura 6).
Figura 6. Distribuição de óbitos dengue e óbitos em investigação e por UF de residência, até a semana epidemiológica 11 (encerrada em 16/03/2024).
VARIÁVEIS | N | EVOLUÇÃO DOS CASOS NOTIFICADOS ATÉ SE11/2024 | ||
---|---|---|---|---|
TOTAL1 | Óbito em investigação, N = 6782 | Óbito por dengue, N = 5652 | ||
UF de Residência | 1,243 | |||
Amapá | 0.2% (n=2) | 0 (0.00%) | 2 (0.35%) | |
Amazonas | 0.4% (n=5) | 5 (0.74%) | 0 (0.00%) | |
Bahia | 2.9% (n=36) | 14 (2.06%) | 22 (3.89%) | |
Ceará | 0.2% (n=3) | 3 (0.44%) | 0 (0.00%) | |
Distrito Federal | 13.8% (n=172) | 63 (9.29%) | 109 (19.29%) | |
Goiás | 10.9% (n=136) | 77 (11.36%) | 59 (10.44%) | |
Maranhão | 0.6% (n=7) | 4 (0.59%) | 3 (0.53%) | |
Mato Grosso | 1.2% (n=15) | 8 (1.18%) | 7 (1.24%) | |
Mato Grosso do Sul | 0.6% (n=7) | 2 (0.29%) | 5 (0.88%) | |
Minas Gerais | 29.5% (n=367) | 261 (38.50%) | 106 (18.76%) | |
Pará | 0.2% (n=3) | 2 (0.29%) | 1 (0.18%) | |
Paraíba | 0.2% (n=3) | 0 (0.00%) | 3 (0.53%) | |
Paraná | 10.1% (n=126) | 62 (9.14%) | 64 (11.33%) | |
Pernambuco | 0.3% (n=4) | 4 (0.59%) | 0 (0.00%) | |
Piauí | 0.2% (n=2) | 0 (0.00%) | 2 (0.35%) | |
Rio de Janeiro | 7.6% (n=95) | 46 (6.78%) | 49 (8.67%) | |
Rio Grande do Sul | 2.7% (n=33) | 9 (1.33%) | 24 (4.25%) | |
Rondônia | 0.2% (n=2) | 1 (0.15%) | 1 (0.18%) | |
Santa Catarina | 2.7% (n=33) | 6 (0.88%) | 27 (4.78%) | |
São Paulo | 15.1% (n=188) | 110 (16.22%) | 78 (13.81%) | |
Sergipe | 0.2% (n=3) | 1 (0.15%) | 2 (0.35%) | |
Tocantis | 0.1% (n=1) | 0 (0.00%) | 1 (0.18%) | |
1 % (n=n) | ||||
2 n (%) |
References
Footnotes
Nesta análise a letalidade comparada foi realizada com a totalidade de óbitos (dengue+em investigação) em relação ao total de casos de dengue severa (grave+sinais de alarme).↩︎
A sazonalidade nesta análise é considerada como o período entre a semana epidemiológica 45 do ano anterior, correspondendo ao início de novembro até a semana epidemiológica mais atual do ano seguinte. Nesta análise é SE 11, encerrada em 16/03/2024.↩︎
A completude dos dados é um conceito fundamental na análise de dados. Refere-se à presença de todas as informações necessárias em um conjunto de dados, ou seja, a ausência de valores faltantes. Quando há valores faltantes, a análise pode ser distorcida, levando a conclusões errôneas ou enviesadas.↩︎